quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Estórias"

Cansada desse teu ar reprovador, dessa critica velada, àquilo que chamas delírios de mulher, resolvo de vez partir. Farta desse olhar por cima do ombro, cada vez que estamos à luz do dia, para a minha anunciada casca de laranja, decido calçar uns patins, assim te referes aos teus brilhantes coleguinhas de trabalho que trocam as suas mulheres pelas esguias e parvas secretárias.

Tantos projectos em comum, conversas noite dentro, nos braços um do outro, promessas que nem a celulite nos afastaria.

Por vezes pergunto-me se te vês ao espelho, com essa testa que mais parece um aeroporto, com a barriga meia assim cai que não cai? Apesar desses teus heróicos esforços de seres um atleta tardio e suado que nem um porco.

Parto logo que vejo uns raios de luz, levo o carro tão anunciado como meu, mas tão cobrado como teu, deixo-te assim como cobrança desses anos acumulados de esforços para nos manter à tona da água.

Pego nos meus tarecos e deixo-te de recordação as belas prendas doiradas que tão generosamente me ofereceste como prémio de eu ter fingido que não sentia esse cheiro repugnante das tuas chegadas de madrugada, de reuniões de trabalho em quartos de motéis cidade fora, entre perfume franziu/sovaco.

Imagino o teu olhar indignado de quem hesita em respirar aliviado, e preocupado no que vai dizer aos seus preciosos círculos de amigos e família.

Será que vais contar a verdade?

Qual verdade?

Que parti de um nós que só existiu mesmo em boas intenções da minha parte, que parti para ser livre em mim, e não para me livrar de um tipo cheio de presunção, que precisa de se afirmar pelo exercício de montar tudo o que mexe, e pelo dinheiro que consegue demonstrar ter.

Tanta mágoa e crítica despejaste em mim por eu não puder ter filhos. Tanto sofrimento engoli aos baldes por não ser capaz de te dar uma fila de crianças a quem, hoje, tenho a certeza que nem o ranho limparias!

Vou assim devagar, sorridente, parto de um eu imposto e fabricado para bem servir, quem jamais o mereceu.

Sim eu sei que não tenho preparação para esses mercados virtuais e exigentes, que te moves como uma enguia, mas vou abraçar esse meu projecto de ser livre e verdadeira.

Maria Sá Carneiro

Sem comentários:

Enviar um comentário