quarta-feira, 26 de maio de 2010

Espera!

Desde sempre soube que era diferente! Senti-me desde que me lembro deslocada e estranha, como se fosse uma bóia laranja, numa imensidão de mar azul coberto de carneiros, que dançavam uma música inaudível para mim, ao sabor de um vento que nunca me fustigou. Alguma espuma branca e salgada por vezes cobria-me, tentando assim embrulhar-me e tomar-me como parte desse mar lindo e imenso.
Mas aquela resistência crescente, vinda do meu fundo, sempre se revoltou e rebeliou, roubando-me assim bruscamente dessa suposta normalidade, nem sempre pacifica mas quase sempre uniforme.
Não sei se viciaram a minha essência ou envenenaram o meu coração, ou ainda pior espartilharam a minha alma.
Mas esperei calmamente o dia em que me viriam buscar, para me isolarem de vez, dessa normalidade e pluralidade, a que atribuíram o nome de conjunto.
Não fiquei surpreendida no dia que conforme eles lhe chamam, me internaram, mas bem vistas as coisas, enterraram-me viva, num bloco asséptico, cinzento e incolor. Nesse quarto sem saída, almofadado e protegido de mim própria, sem nada de útil que me possa a ajudar a fazer aquilo que deveria ter feito antes de me arrastar até aqui. Foi falha minha, falta de coragem, réstia de esperança, ausência de determinação, porque eu sabia que jamais alcançaria os padrões deles de normalidade.
A determinada altura fiz um significativo esforço para me abeirar dessa realidade, misturando-me no vosso meio, esculpindo na minha cara esse sorriso parvo, ou ao deixar descair os ombros, para ser assim como vós, mole! Na sincera esperança de não ter que me maltratar mais, não sentir essa necessidade premente de me cortar para me descortinar no reflexo do meu próprio sangue, para sossegar o chamamento da solidão do meu coração, desse pulsar na correria desaustinada de um pouco de afecto. Sonhei parar este vulcão sempre à espreita que me tomassem no colo e me embalassem noutra história que não essa, à sombra do arco-íris da alma.
No meio dos meus dois irmãos eu sempre fui uma carta fora do baralho.
Não tenho o direito de os censurar, a responsabilidade é minha, devia ter alterado o meu previsível destino.
Placidamente como embrulho de natal de menina bem comportada, por fora, arrasto-me como se eles conseguissem me drogar, por dentro engulo-me de tanto desespero.
Aguardo…sempre…para sempre…
Maria Sá Carneiro

2 comentários:

  1. Quando se carrega durante uma vida inteira um passado de que não nos conseguimos desligar, PERDOANDO, não há horizonte... por mais azul que ele seja! É sempre tudo negro e cinzento!
    Mágoa, dor, tristeza... é o que escreve sempre. :(
    É preciso que atinja o nível da COMPAIXÃO, por si, pelo passado (que lhe dói!) e pelos seus, Maria. Tente construir o seu presente e futuro com mais optimismo, alegria e Amor!
    Tudo isso é uma dádiva que não deve deixar passar para que possa encarar toda essa dor com leveza, até que a mesma desapareça e consiga, por fim ser FELIZ!
    Não pinte a sua Vida tão negra... Dor só traz dor!
    Pense nisto.

    Felicidades!

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  2. Nem sempre Caro Anónimo/a
    Compaixão por mim espero que nunca, persigo a minha verdade, sem decoração de natal dos chineses, maneiras...
    Mas obrigado.

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